Essa situação é muito comum e tem solução. Dependendo do caso, pode ser resolvido até mesmo diretamente no cartório. Descubra agora como resolver esse problema.
Em primeiro lugar, você precisa saber que a compra e venda de bens imóveis que tenham valor superior a 30 salários-mínimos obrigatoriamente deve ser feita por escritura pública. Veja o que diz o artigo 108 do Código Civil:
Art. 108, CC. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Portanto, realizar a compra do imóvel por escritura pública é obrigatório, e não uma opção dos contratantes.
Se a venda foi feita por escritura pública, ela é válida e o falecimento do vendedor não interfere no ato, que já foi finalizado. Nesse caso, basta apresentar a escritura pública ao Registro de Imóveis e solicitar o seu registro na matrícula do imóvel.
Porém, se a venda do imóvel foi realizada por contrato particular, possivelmente trata-se de uma promessa ou de um compromisso particular de compra e venda.
O contrato particular de compra e venda geralmente é realizado para "segurar o negócio", e contém as condições combinadas entre o comprador e o vendedor. Também é comum que ele seja feito quando o pagamento do preço é parcelado, ou quando os contratantes não têm condições de celebrar o negócio diretamente por escritura pública naquele momento. Nesse caso, a morte do vendedor interfere sim de forma muito importante. Veja as possibilidades que temos para regularizar a situação:
1) Alvará judicial ou Escritura Pública de Nomeação de Inventariante
Se o preço já foi pago integralmente pelo comprador, ele pode tentar uma solução amigável com os herdeiros do vendedor falecido para que eles solicitem um alvará judicial em que o juiz vai autorizar o inventariante a assinar a escritura pública de compra e venda do imóvel do falecido. Para isso, deve ser comprovado ao juiz que o falecido vendeu o imóvel quando ainda era vivo e que no momento do óbito a posse do imóvel já não era mais dele, e sim do comprador.
Em alguns Estados, é possível que o inventariante assine a escritura pública definitiva sem precisar solicitar essa autorização do juiz. Para que isso seja possível, os herdeiros devem fazer primeiro uma escritura pública de nomeação de inventariante, dando poderes ao inventariante para assinar a escritura definitiva de venda do imóvel do falecido.
No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, é possível regularizar o imóvel dessa forma, não sendo necessário pedir autorização judicial. Essa possibilidade está prevista no art. 457 do Código de Normas Estadual:
Art. 457, CN-RJ. Prescinde de alvará judicial o cumprimento de obrigações celebradas em vida pelo falecido, como promessas de compra e venda ou cessão de direitos, desde que comprovada a autenticidade e preexistência do negócio jurídico. §1º. A autenticidade e a preexistência exigem prova inequívoca, como o informe de bens à Receita Federal, instrumento particular com reconhecimento de firma, registro público do ato ou documento equivalente. §2º. Caso o negócio não tenha sido integralmente quitado até óbito, deverá ser recolhido o imposto de transmissão sobre o saldo credor (Súmula nº 590 do STF).
Aliás, o Estado do Rio de Janeiro é um dos mais inovadores em questões relacionadas à regularização de situações imobiliárias que antes só podiam ser realizadas no Judiciário. Com todas as inovações, alguns casos que demorariam anos para serem solucionados, agora podem ser resolvidos de maneira muito mais rápida e menos burocrática, diretamente junto aos cartórios extrajudiciais.
No Estado do Rio Grande do Sul, também é possível a nomeação de inventariante para cumprir a obrigação de assinar a escritura pública de compra e venda do imóvel do falecido, não sendo necessário solicitar o alvará judicial. Essa previsão está inserida no art. 553 da Consolidação Normativa Notarial e Registral:
Art. 553, CN-RS. Admite-se a efetivação do contrato definitivo de compra e venda pelo Espólio (outorgante vendedor), independentemente de Alvará Judicial, para cumprir obrigação contratada e liquidada em vida, mediante prova a ser feita ao Tabelião. Parágrafo único – Não será condição para o registro da compra e venda o prévio registro do contrato preliminar.
Em Santa Catarina, igualmente é permitida a regularização do imóvel sem a necessidade de pedir alvará ao juiz:
Art. 1.202, CN-SC. O inventariante poderá representar o espólio na condição de outorgante em escritura pública de transmissão onerosa da propriedade de bem móvel ou imóvel, em tabelionato de notas, sem a necessidade de utilizar as vias judiciais, quando houver obrigação contratada e liquidada em vida por pessoa falecida, cumpridos os seguintes requisitos: (...)
Em Minas Gerais, o Código de Normas não diz nada a respeito, mas a Nota Técnica nº 03/2022 do CORI-MG (Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais), que regulamenta o procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial (no que não conflitar com o Provimento nº 150 do CNJ), menciona em sua pág. 07 que é permitida a lavratura da escritura pública definitiva pelo inventariante quando houver prova plena da quitação do negócio antes do óbito do proprietário:
Sendo falecido o titular do imóvel, a notificação deverá ser feita ao inventariante, caso exista, ou a todos os herdeiros, cujo(s) vínculo(s) de parentesco deverá(ão) ser comprovado. Havendo prova plena da quitação do negócio antes do óbito e diante da inexistência do óbice à celebração do título definitivo, a escritura poderá ser lavrada pelo inventariante, sem a necessidade de alvará judicial.
A previsão da Nota Técnica é apenas uma orientação, ela não obriga os cartórios a seguirem esse entendimento, mas é um direcionamento bastante razoável e serve como um bom argumento para a tentativa de regularização do imóvel por essa via.
Por fim, lembramos que o Enunciado nº 48 da I Jornada de Direito Notarial e Registral também autoriza essa forma de regularização:
Enunciado 48. O inventariante nomeado pelos interessados poderá, desde que autorizado expressamente na escritura de nomeação, formalizar obrigações pendentes do falecido, a exemplo das escrituras de rerratificação, estremação e, especialmente, transmissão e aquisição de bens móveis e imóveis contratados e quitados em vida, mediante prova ao tabelião.
Caso os herdeiros se recusem a resolver a situação dessa forma, você pode tentar a próxima solução:
2) Adjudicação compulsória extrajudicial
Se o preço já foi pago integralmente pelo comprador, mas os herdeiros do vendedor falecido se recusam a colaborar com o comprador para a regularização do imóvel por meio da solução acima indicada, o comprador pode requerer diretamente no cartório de Registro de Imóveis a adjudicação compulsória extrajudicial desse imóvel. Nesse caso, o cartório realiza um procedimento de notificação dos herdeiros e, caso eles não realizem a assinatura da escritura no prazo determinado, o próprio cartório já realiza o registro da compra e venda de acordo com os documentos apresentados, sem precisar fazer a escritura definitiva.
Essa possibilidade foi criada pela Lei 14.382/2022, que acrescentou o art. 216-B na Lei 6.015/73, e só pode ser utilizada se forem atendidos alguns requisitos:
a) O comprador precisa estar representado por um advogado;
b) Será necessário apresentar o contrato particular original, acompanhado da prova de sua quitação;
c) Também será necessária a lavratura de uma ata notarial no cartório de notas;
d) Devem ser apresentadas algumas certidões judiciais, demonstrando que não existe litígio judicial a respeito do imóvel;
e) É necessário efetuar o pagamento do ITBI (imposto de transmissão que incide na compra e venda de imóveis) e apresentar o comprovante ao cartório.
A adjudicação compulsória extrajudicial foi regulamentada recentemente pelo CNJ através do Provimento nº 150/2023, que trouxe as regras gerais do processamento do pedido de adjudicação nos cartórios, trazendo mais segurança e facilidade na execução do serviço. Quer saber mais sobre esse procedimento? Veja neste artigo.
Por fim, ressaltamos que é necessário sempre analisar cuidadosamente os documentos do caso concreto de cada pessoa para verificar se é possível adotar essa forma de regularização.
3) Adjudicação compulsória judicial
Se por algum motivo não puder ser feita a adjudicação compulsória diretamente no cartório de Registro de Imóveis, poderá ser ajuizada uma ação judicial de adjudicação compulsória para que o juiz determine por sentença a transferência do imóvel para o comprador. Essa ordem judicial vai substituir a escritura pública e será registrada diretamente na matrícula do imóvel.
4) Inventário
Por fim, se o comprador ainda não quitou o preço combinado, o imóvel deverá entrar no inventário do vendedor falecido, mencionando-se no inventário que o imóvel foi vendido em vida pelo falecido e que ainda não foi quitado pelo comprador. Nesse caso, em regra, os pagamentos restantes devem ser feitos em juízo.
É comum que alguns compradores parem de pagar as parcelas do preço em razão da morte do vendedor, mas isso não é correto, porque a morte dele não extingue o contrato. O direito de receber o preço e a obrigação de outorgar a escritura pública ao final do contrato são transmitidos aos herdeiros, assim como todos os outros bens.
Assim, se o comprador deixar de cumprir suas obrigações, os herdeiros do falecido poderão cobrá-lo pelas parcelas não pagas, com acréscimo de multa e juros, ou até mesmo pedir a rescisão do contrato com a retomada do imóvel, dependendo do caso.
É importante lembrar também que o desconhecimento de quem são os herdeiros não justifica a falta de pagamento das parcelas, porque existem mecanismos jurídicos que permitem ao comprador continuar fazendo os pagamentos para que não sofra os efeitos do inadimplemento, como por exemplo, a consignação em pagamento.
Porém, trata-se de uma situação mais complexa e que exige uma análise detalhada de cada caso para a identificação do melhor caminho a ser seguido.
A regularização da situação jurídica de um imóvel é algo que pode ser bastante complexo e que pode gerar muitos prejuízos às pessoas envolvidas caso não seja feita de forma adequada. Por isso, é necessário consultar um advogado especialista no assunto.
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